Itapecuru

ITAPECURU

Já me banhei no Rio Itapecuru. Em Codó e em Rosário, na minha infância e na minha adolescência. O rio e eu não somos mais os mesmos, “porque tudo flui” ou se transforma, como já detectara Heráclito de Éfeso, quinhentos anos antes de Cristo. Mas o Rio Itapecuru ficou perene em minha mente e no meu coração, porque o Rio Itapecuru é o rio que passa na minha aldeia, mais importante, muito mais importante que o Rio Tejo, o Rio Nilo, o Rio Ganges… “O Rio Tejo é mais belo que o rio que corre em minha aldeia,/ mas o Rio Tejo não é mais belo que o rio que corre na minha aldeia/porque o Rio Tejo não é o rio que corre na minha aldeia”, disse Fernando Pessoa. E é esse mesmo sentimento que tenho quando lembro do Rio Itapecuru.

Nas minhas lembranças eu o vejo como as barbas longas de Deus fertilizando as nossas vidas, a vida dos animais e da floresta; nos alimentando de peixes e de água farta, placenta a nutrir a nossa existência.

Naqueles tempos, o Rio Itapecuru mourejava as vozes das sereias, se incorporava aos cantos do martim-pescador, do xexéu, das pipiras, dos carcarás, dos  gaviões, da passarada em profusão, da natureza em sua exuberância, mãe das estações e da perpetuação dos homens e dos animais.

Esse tom melancólico e saudosista de alguma poesia perdida no tempo vem a propósito da atual realidade do Rio Itapecuru, em uma lenta e inexorável agonia, vítima de tantas desumanas agressões que nós, como genocidas, a ele impomos sem piedade e sem a consciência de que, agindo assim, estamos sendo suicidas, carrascos de nós mesmos, já que o rio, mais do que metaforicamente, é uma extensão do nosso sangue, um condutor das gerações vindouras.

Desde a sua nascente, na Serra do Itapecuru, até sua foz na Baía de São José, em sua extensão de 897 km, esse rio, genuinamente maranhense, sofre um massacre diário que o está matando numa tortura irracional, sob o olhar conivente da maioria de nós.

A pesca predatória já dizimou algumas espécies de peixes e já põe em risco outras tantas. “Ainda tem surubim?”, perguntei a um velho pescador. “Não, senhor, não tem mais”. A resposta é a mesma quando perguntamos se o rio ainda é totalmente navegável, se a água está livre de poluição, se a fauna e a flora são ainda abundantes às suas margens, hoje assoreadas e dilapidadas pela exploração selvagem de seus recursos naturais e vitais para sua perenidade.

A quantas vidas o Rio Itapecuru mata a sede? Ou já alimentou? Ou dele dependerão? São respostas para essas perguntas que deveremos encontrar agora e, a partir daí, construirmos uma consciência responsável e denunciadora dos crimes que estamos cometendo a uma bacia hidrográfica de fundamental importância para o futuro dos nossos filhos, netos e do próprio Estado em que nascemos. Ao invés de assassinarmos esse rio de vida, deveríamos abraçá-lo, sentir a sua agonia e nos unirmos às poucas vozes que no momento nos conclamam a socorrer esse bem natural, inestimável e indispensável à nossa perenidade humana em plena cooperação com a natureza, num convívio sustentável do qual dependemos para seguirmos nossa jornada sobre o Planeta Vida. Digo planeta, porque o Rio Itapecuru é apenas um grito entre tantos que a natureza, nesse instante, lancinantemente nos emite. Um grito da água viva sentindo a dor da morte iminente, tornando-se um símbolo, um libelo agonizante de alerta às nossas consciências anestesiadas no ritmo frenético da competição consumista onde o egoísmo do homem se sobrepõe à própria defesa do nosso futuro tão frágil diante de nossas atrocidades desumanizantes e autofágicas.
O pai da História, o grego Heródoto, quatrocentos anos antes de Cristo, disse que “O Egito é uma dádiva do Nilo”. O velho sábio percebera que sem aquele rio-oásis, aquela importante civilização sequer existiria. Da mesma forma somos um presente, uma dádiva do Rio Itapecuru, dos nossos rios, da nossa natureza, da nossa biodiversidade.

Que outras vozes, então, juntem-se às vozes dos deputados João Evangelista e Sarney Filho, às vozes dos ambientalistas, dos poetas e do próprio Rio Itapecuru que gritam por socorro, por uma ação solidária de preservação não só do rio que agoniza, mas do nosso próprio futuro sobre o Maranhão, apenas um recanto dessa nossa tão frágil Casa Azul chamada Terra.

“O homem mata o verde/e o verde mata o homem./Porque a Natureza nunca perde,/quem a crucifica ela consome.” Reflitamos sobre essa sentença poética, mirando-nos nas águas moribundas do Rio Itapecuru, antes que a poesia se transforme em apocalíptica profecia.

 

Alex Brasil
Poeta/Jornalista/Publicitário