Patrimônio do povo

PATRIMÔNIO DO POVO

 

O que tem a ver o Convento das Mercês, que abriga a Fundação José Sarney, com a política e a nossa dignidade?

A Política, por natureza pragmática, trata do poder (da conquista e preservação deste) e interfere no cotidiano de cada cidadão: do preço do feijão e do arroz à construção de pontes e estradas. Se bem aplicada, semeia e colhe cidadania. Se mal intencionada, destrói pontes e vidas.
O Convento busca dar abrigo à cultura, a ações que humanizam o homem político, alimentando-o não de feijão, mas de espiritualidade, que nos diferencia da natureza bruta e sanguinária do bicho insensato e predador na ânsia imediata do intestino apenas.

Que fome tem alguém que, com os dentes ensandecidos, quer devorar sonhos, solidariedade, fraternidade, arte e memória? Fome de ódio? De mágoa, de selvageria? Avidez de barbárie, de perversidade, pura e simples? Aquele mesmo espasmo de brutal animalismo que acometeu o ditador Júlio César ao destruir a biblioteca de Alexandria, no século I a.C.? A mesma cólera obscurantista, inumana e diabólica com que o imperador chinês Huang-Ti, no ano 213 a.C., ordenou enterrar vivos os sábios do seu povo, junto com os livros de Confúcio? O mesmo apetite raivoso da ignorância com que cada coronelzinho ou morubixaba sacia seus instintos truculentos devorando nos caninos da estupidez qualquer idéia iluminadora ou qualquer cérebro humanizador?

Se a tanto chegamos, até o câncer da política encarniçada degenerar nossas fontes e templos de cultura, a exemplo da Fundação José Sarney, sem que ninguém diga não a tamanha afronta a nossa tradição de libertária intelectualidade, onde haveria, ainda, espaço para nossa poesia nesse Auschwitz de nossas idéias e ideais?

É bom que pensem os homens da verdadeira política e da cultura, sobre essa questão que nos afeta a todos na carne, na ética, na moralidade e no nosso patrimônio cultural. Mais ainda: na nossa identidade como povo que, mesmo vivendo nas adversidades históricas de recursos materiais, nunca foi pobre de espírito, cuja alma jamais se apequenou exatamente pela consciência que temos daquilo que representamos na história do pensamento brasileiro no que ele tem de mais altivo e civilizatório. O Convento das Mercês (que pode a qualquer tempo retornar ao Estado) está a serviço da cultura e da coletividade, como estão outros imóveis do Estado, como o Sobradão que abriga a Livraria Poeme-se, a Companhia Circense, o Coteatro, a Academia Maranhense de Letras, etc.

A grande maioria dos nossos políticos (como os demais deste país) sabe, se quer o mínimo de respeito daqueles que se dizem representantes, que deveria antes de profanar patrimônios culturais do povo, cuidar de soerguer o seu próprio patrimônio ético enlameado diante da sociedade perplexa com tantas revelações de imoralidades praticadas pelos senhores representantes dos anseios coletivos.

Sem essa consciência primeva de si mesmos e dos seus papéis, na preservação dos nossos valores morais e culturais, nus e pequenos, estarão os homens públicos do Maranhão expostos ao ridículo da história, na contramão de suas responsabilidades, mergulhados nas mais fúteis vaidades e veleidades, em mesquinhos egoísmos que os nivelam a um plano onde não há grandeza alguma.

Quando a política, que já não consegue se dissociar do conluio espúrio com a corrupção e a falsidade ideológica, extrapola seus tentáculos para contagiar de virulentas intenções os valores culturais e inalienáveis do nosso povo, no que a Fundação José Sarney é um representativo símbolo, o que podemos esperar de nossos representantes públicos? Nada, senão a vergonha de um povo que sempre se orgulhou de sua memória e da glória intelectual que tanto nos distingue e dignifica.

Não há como não reagir, pelo menos aqueles que ainda têm um mínimo de lucidez e sensibilidade construtiva, diante da asnice de alguns políticos, que misturam os nossos bens culturais, patrimônio do gênio humanitário de nosso povo, com farelos em chiqueiros de politicalhas, onde, eles, os politiquinhos, chafurdam em seus interesses imundos e deletérios. Isso, enquanto o nosso sistema educacional, base de toda a formação de nossos jovens e herdeiros do que somos, agoniza pelo descaso e omissão destes mesmos políticos, falsos paladinos dos bons costumes e de nossos bens morais. E aqui, lembramos do Memorial Bandeira Tribuzi, entregue às moscas, a nos lembrar, com asco, desses mesmos políticos tão preocupados com o Convento das Mercês, numa tentativa de profanação que só merece o repúdio dos cérebros lúcidos e atentos.

Antes que avancem ainda mais sobre nossas consciências esclarecidas, pisoteando nossas flores e arrancando as vozes de nossa dignidade, aos chacais disfarçados de mecênicos profetas, ofertemos os nossos gritos de reação positiva. Em defesa de nossos bens culturais que dispensam o zelo de profanadores incultos; em defesa de nossa inteligência, que a ignorância destrutiva deles jamais ofuscará.

Ou concordemos com os versos de Gregório de Matos Guerra, que viveu na província de São Vicente, no século XVII, no mais primitivo provincianismo: “Que falta nessa cidade?.Verdade/Que mais para sua desonra?…Honra/Falta mais que se lhe ponha?…Vergonha”.

 

Alex Brasil
Da Academia Maranhense de Letras