O Antonio lembrou do Antonio

O ANTÔNIO LEMBROU DO ANTÔNIO

 

Vivemos um tempo onde tudo é descartável, na idade da cibernética, com seus frames de glória numa mídia insaciável de sensacionalismo com um redemunho voraz a triturar e nivelar os valores essenciais do homem no lixo exposto na vitrine dos meios massificadores. Nessa velocidade digital, os artistas e sua arte são as vítimas preferenciais do maior crime contra o processo evolutivo e civilizatório de que tanto a sociedade hodierna precisa – o crime do esquecimento dos verdadeiros valores que nos elevam à condição de reflexos de Deus, quando nos expressamos pela arte, uma quase linguagem dos anjos. Nessa pressa robotizante perdemos a percepção do trigo diante de tanto joio, esquecemos o canto do instante luminoso que merece a posteridade, esquecemos a alma do passado onde fomos forjados.

Nessa insustentável leveza do ser, os valores culturais dependem  dos cronistas da lucidez e do tempo, que vêem o homem e o mundo com o olhar da sensibilidade filtrada na erudição e no deslumbramento diante do belo necessário à construção do  próprio homem ainda inacabado nas suas paixões atávicas e paradoxais.

O jornalista e escritor Antônio Carlos Lima pertence a essa rara estirpe de inteligência culta e antenada com a essência da civilização num mundo, às vezes, ci”fi”lizado, como disse certa  vez o nosso antropólogo Nunes Pereira. Prova disso, é o ensaio primoroso e indispensável que Antônio Carlos escreveu no jornal O Estado do Maranhão de 4 de junho sobre o genial escultor maranhense Celso Antônio de Menezes; genial, porém, esquecido rapidamente na insensibilidade dos responsáveis pela memória dos nossos verdadeiros artistas, construtores do nosso caráter mais precioso que é o nosso patrimônio cultural.

Sabendo do interesse da jornalista, ensaísta e tradutora Leneide Duarte-Plon pela biografia do nosso escultor Antônio Menezes, além de uma entrevista esclarecedora com a pesquisadora, Antônio Carlos elabora, com a perícia do seu ofício de escrever com precisão e pertinência, para nós e para a posteridade, um estudo-denúncia sobre esse gênio maranhense estranho em sua própria terra, onde é ou deveria ser tradição cultivar-se a lembrança dos grandes representantes de nosso talento e de nossa inteligência.

A iniciativa de Antônio Carlos ao compor esse laborioso e bem elaborado trabalho sobre Celso Antônio, vai além de um competente e oportuno ensaio sobre um conterrâneo injustiçado pela amnésia da intelectualidade brasileira e, especialmente, do Maranhão. Ele cobra uma dívida de reconhecimento à grande maioria de nossos artistas entregues aos seus destinos solitários de iluminar a nossa cultura, à medida que permanecem no lado oculto da gratidão e dos aplausos de quem deveria zelar pelos nossos bens mais elevados e dignos de perenidade. Celso Antônio torna-se, desta forma, no réquiem de Antônio Carlos, um ícone do descaso e do ostracismo a que relegamos os nossos artistas de ontem e de agora também. A tal ponto que eu e um grande poeta amigo meu, ao lermos Esqueceram Celso Antônio, nos espantamos (“Quem é Celso Antônio?”) diante de sua grandeza por nós ignorada exatamente por falta da chama histórica que iluminasse a memória deste importante maranhense e de sua obra imortal, porém, imersa nas profundezas de um esquecimento inexplicável sobre o qual todos nós temos um pouco de culpa.

Nós, que tanto nos orgulhamos de sermos ou termos sido Atenas Maranhense, nos esquecemos no caso de Antônio Menezes e de tantos outros valores maranhenses, de lembrarmos os gregos que tão orgulhosamente celebravam seus filhos relevantes, especialmente no campo da inteligência. “De fato deram-lhe suas vidas para o bem comum e, assim fazendo, ganharam o louvor imperecível e o túmulo mais insigne, não aquele em que estão sepultados, mas aquele no qual a sua glória sobrevive relembrada para sempre, celebrada em toda ocasião própria à manifestação das palavras e dos atos”, disse certa vez o estadista ateniense Péricles, que viveu cercado de filósofos e artistas 495 antes de Cristo.

Em contraposição ao título do livro (ainda inédito) da jornalista Leneide Duarte-Plon A Condenação da Arte, este estudo luminoso de Antônio Carlos Lima sobre Celso Antônio poderia intitular-se A Redenção da Arte, por resgatar das sombras de um silêncio injusto um gênio digno de um lugar especial em nosso Panteão, no momento em que os bustos de outros relevantes maranhenses são arrancados das praças para serem sepultados em arquivos mortos da insensibilidade do poder público. Assim como o próprio Celso Antônio abriu caminhos inovadores para a arte brasileira com o seu talento genial, esperamos que essa iniciativa solitária e de certa forma altruística do jornalista Antônio Carlos Lima, ao escrever esse primoroso ensaio-tributo ao outro Antônio, reavive a memória de todos nós para a importância de tantos Antônios mortos, ou mesmo vivos, condenados à solidão de um injusto esquecimento.

Alex Brasil
Poeta, jornalista e membro da Academia Maranhense de Letras