INFERNO VERDE

INFERNO VERDE

Eu hoje tive uma visão
que os profetas não sonharam,
que sangrou-me o coração:
vi homens que se ajoelhavam
em volta de um jardim feito templo sagrado,
em cujo centro havia um cristo todo verde,
para o qual aqueles desgraçados
gesticulavam agonizantes de fome e sede.
A terra era seca da cor da folha caída.
As cidades eram cemitérios
de edifícios abandonados.
Os mares vomitavam nas praias ondas poluídas,
e o céu não era azul, nem o horizonte dourado.
Eu hoje tive uma visão
que a bíblia não escreveu,
a minha mais angustiante obsessão:
o desespero de um futuro que não é meu.
Vi os últimos homens da terra em agonia,
cheios de ódios de nós, seus antepassados,
construtores malditos
de um mundo desclorifilado.
Eu hoje vi o apocalipse
que o profeta Nostradamus não viu.
Vi o fogo no futuro que sonhei,
e vi o verde pela janela, quando acordei.
Vi o inferno verde do ano dois mil,
uma ausência tão grande de esperança
que agora sei:
O inferno verde não é Amazônia
em sua plenitude de clorofila,
abastecendo o planeta de oxigênio.
O inferno verde são os pesadelos
de minha insônia:
O machado ferindo a árvore de minha vila,
as florestas do mundo devoradas pelos incêndios;
são os palmeirais substituídos pela argila,
as frutas envenenadas de inseticidas;
somos nós desrespeitando a natureza
em cada gesto preparando a grande Sede,
concretizando o pesadelo que eu tive,
minha mais profunda tristeza:
os últimos homens da terra
adorando um Cristo Verde!

 


 

SO-LI-DÃO

Ponho a mão no peito,
ouço o meu coração
e interpreto nas suas batidas
o caminhar do tempo,
levando-me para a morte.
Cada segundo, um passo,
cada minuto , 60 metros,
cada hora, três quilômetros e meio…
uma caminhada ininterrupta,
sem fôlego, implacavelmente,
rumando para o abismo inevitável.
Meu Deus, como tenho pressa de viver,
antes que a velhice chegue,
enquanto meu sangue se agita,
antes que meus sentidos vacilem.
Como lamento os beijos que não dei,
as horas de amor que não vivi,
os encontros que desmarquei,
as flores desabrochando que não vi…
e, no entanto, agora que o tempo é todo meu,
que os problemas ficaram para o outro dia,
pó que a vida é negra, da cor do breu,
no meu quarto cheio de lembranças vazias?
Por que estou adiabaticamente sozinho,
Sem vozes de outras bocas,
Perdido na inércia, sem qualquer caminho,
Agarrando-me na esperança cada vez mais pouca?
Meu Deus, ponho a mão no peito
e apenas ouço meu coração:
SO-LI-DÃO, SO-LI-DÃO, SO-LI-DÃO…

 


COMENTÁRIOS SOBRE O AUTOR

“Alex Brasil, mais coerente que tantos outros, despistadores do real e trânsfugas da vocação, sabe que, contra todas as investidas da técnica alienante e da mecânica (ir)racional, a poesia deve continuar.”
Nauro Machado

“Quando Alex Brasil publicou seu primeiro livro, e numa época em que havia, no país, notadamente no Maranhão, inflação de escritores, sentimos que ele não ficaria apenas nas comemorações e banquetes de estréia. Partiria, por força da vocação e do talento, até outros experimentos. E aconteceu, tanto que não lhe escondemos estímulos ou lhe camuflamos elogios.”
Carlos Cunha

“Suas poesias espelham um poeta que se renova à medida que novas perspectivas do futuro se lhe apresentam. “Por isso, o Alex Brasil é e sempre será um poeta que consegue expressar o tempo e seus momentos, de ontem, de hoje e de sempre”.
José Carros Sousa e Silva

“Depois de quatro livros publicados, Alex Brasil percorre uma linha anteriormente traçada: sem preocupar-se com a forma, busca na “matéria-desespero-diário” o caminho da crítica à ORDEM ESTABELECIDA, numa linguagem de ferro, extremamente popular, tentando impor a si mesmo o lado mais perigoso, numa luta nem sempre fácil.”
Roberto Kenard

 


 

PREÂMBULO

Não tenho partidos. Mas tenho amigos que jamais sentar-se-iam na minha mesa para um mesmo jantar, por sentimentos que os dividem, por interesses que os opõem. A busca da constatação projetou-me do quarto adiabaticamente estéril e concretamente deserto em que nasci ao vendaval de incongruências que move os homens freneticamente em sociedade. Envolvido pelo redemoinho centrípeto da vida saí da periferia existencial e cheguei ao âmago das revoluções humanas em cuja travessia tenho cumprido o ritual dos predestinados; à eterna sede das verdades: ora apertar as mãos que me golpeiam por trás, ora sorrir quando meu coração esvai-se em desencantos, tudo para meu barco não sossobrar nos rios de lama de moral dos que cospem os poetas, beijam os dólares e adoram os fuzis. E, no entanto, ainda não sei por quantas mentiras um homem tem de passar para conquistar uma só verdade, nem quantas humilhações tem de suportar para cumprir seus objetivos, sem perder a identidade de si mesmo. No meio da vida, a alma ofegante, o corpo um tanto gasto refletido no espelho, alegro-me apenas da descoberta, depois de ter aprovado o mel e o fel, depois de dormir na miséria ou ser hospede de reis: a de que continuo poeta, emociono-me com as flores, faço versos panteístas, enlevo-me na graça feminina, identifico-me com os gestos simples e não tenho vergonha de ser pobre, ser poeta da massa, da multidão aquém das cortes. Se um dia eu tiver de escolher entre os amigos poderosos e o dever de justiça para com a maioria oprimida, à margem dos direitos básicos do ser humano, creio firmemente que minha consciência estará ao lado do povo, dos desgraçados, porque o homem não tem missão mais importante no planeta do que contribuir na melhoria da vida, que deve pertencer plenamente não apenas a uma elite, mas a todos, indiscriminadamente. Nada de novo tenho dito, apenas tenho renovado os anseios mais dignos que há em nós, pelos quais muitos humanistas imolaram suas vidas, certos de que o amor sobreviverá ao ódio, para que nunca se esgote o espetáculo mágico de um espermatozoide fecundando o óvulo num ritual inexorável de um ser gerando outro ser, em busca infinita da perfeição, repetindo-se como passos, embrenhando-se no tempo para jamais perder o futuro. Sou feliz, porque mergulho em mim e encontro todas as religiões, todas as ideologias, todas as cores que cobrem nossas peles, porque sou um mundo aberto a qualquer nação, um porto à espera de qualquer navio. Nada eu meu espírito tende à pretensão de achar-me divino, diferente em essência de meus semelhantes. Mas sou triste e infeliz, porque, para compreender tudo isto, tenho que ser mais “apto” que alguns e menos felizardos que outros; tenho que conviver com fracos e fortes, com bons e maus, com todas as feridas que nossas fraquezas abrem no corpo da humanidade. E escrevo, escrevo… hora com uma flor na retina, hora com uma navalha na garganta, queimando-me, neste INFERNO VERDE – a vida feita de sofrer e esperança, esperança de que o verde nunca morra, para não morrermos em busca do verde perdido, se não cuidarmos dos jardins da terra, agora, ainda floridos.